Decisão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Dúvida/exame de competência. Eventuais imagens serão suprimidas.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 1ª VICE-PRESIDÊNCIA Autos nº. 0007729-25.2021.8.16.0130 Recurso: 0007729-25.2021.8.16.0130 Ap Classe Processual: Apelação Cível Assunto Principal: Obrigação de Fazer / Não Fazer Apelante(s): Andrea Alessandra Souza de Morais Apelado(s): BLU PAGAMENTOS S.A EXAME DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. AÇÃO PROPOSTA EM FACE DE INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE VALORES QUE IMPLICA NO CUMPRIMENTO ADEQUADO DO CONTRATO. DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE. DISTINÇÃO DA RÉ EM RELAÇÃO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DE NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. OFERTA DE SERVIÇO NO ÂMBITO DE ARRANJO DE PAGAMENTO. REDISTRIBUIÇÃO DO RECURSO NA FORMA DO ARTIGO 110, INCISO III, ALÍNEA “C”, DO RITJPR.PRECEDENTES. Consoante precedentes de exame de competência, a instituição de pagamento (IP) é a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sendo a ela vedada por lei a realização de atividades privativas de instituições financeiras. No caso, como o objeto litigioso envolve serviço ofertado por instituição de pagamento (e não financeira), a distribuição deve ocorrer na forma do artigo 110, inciso III, alínea “c”, do RITJPR. Precedentes. EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. 1 – RELATÓRIO Trata-se de Exame de Competência no recurso de Apelação Cível n° 0007729- 25.2021.8.16.0130, interposto em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Paranavaí, nos autos de “Ação de Obrigação de Fazer c/c Reparação por Danos Materiais e Danos Morais” n° 0007729- 25.2021.8.16.0130, que Andrea Alessandra Souza de Morais move em face de Blu Pagamentos S.A. Em 29.09.2023, o recurso foi distribuído, por sorteio, ao Desembargador João Antônio de Marchi, integrante da 14ª Câmara Cível, como “Ações relativas a negócios jurídicos bancários e cartões de crédito, inclusive quando cumuladas com pedido de indenização, excetuada a competência prevista na alínea d do inciso VII deste artigo” (mov. 3.1 – TJPR). Adiante, com fundamento na Resolução nº 302/2021-OE, os autos foram incluídos no Projeto Enfrentamento do Acervo do 2º Grau de Jurisdição, sendo designada para atuar no feito a Desembargadora Substituta Elizabeth de Fátima Nogueira Calmon de Passos. A nova relatora, então, na data de 10/04/2024, declinou da competência ponderando que: “(...) Vislumbra-se pela narrativa dos fatos, que a causa de pedir reside, efetivamente, em alegada má prestação de serviços por parte da requerida – decorrente da ausência de emissão de links destinados ao pagamento de mercadorias vendidas a terceiro. O pedido meritório cinge-se à responsabilização da requerida pelo pagamento de indenização pelos danos materiais e morais suportados. Ou seja, ainda que eventualmente necessário examinar a relação subjacente, esta não será determinante à resolução da controvérsia, tratando-se, isto sim, de providência secundária, servindo apenas à constatação da existência de vínculo/nexo causal do qual resulte a obrigação de reparar ou indenizar danos. Assim, cumpre afirmar que o presente recurso não é da competência desta c. 14.ª Câmara Cível, “s.m.j.”, porque a controvérsia em questão não trata de matéria de sua especialização. Em caso semelhante, guardadas as devidas peculiaridades, já decidiu a c. 1.ª Vice- Presidência pela competência das Câmaras especializadas no julgamento de matérias relacionadas à responsabilidade civil pura, conforme se depreende do seguinte precedente: EXAME DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. ACAO INDENIZATÓRIA. PRETENSÃO AUTORAL LIMITADA À RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DAS RÉS POR DANOS MATERIAIS. RESSARCIMENTO POR PREJUÍZOS SOFRIDOS EM DECORRÊNCIA DE ALEGADA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DAS RÉS E DE SUPOSTOS ILÍCITOS COMETIDOS POR ESTAS. PEDIDOS EXCLUSIVAMENTE INDENIZATÓRIOS. COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS ESPECIALIZADAS EM RESPONSABILIDADE CIVIL, NOS TERMOS DO ART. 110, INCISO, IV, ALÍNEA “A”, DO RITJPR. EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. (Exame de Competência n.º 0011378-92.2024.8.16.0000, julg. em 19.03.2024 – grifou-se) 3. Ex positis, remetam-se os autos à Divisão competente à redistribuição do recurso, nos termos do artigo 110, inciso IV, alínea a do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, consoante recomendação contida na Portaria de n. º 02 /19, da douta 1.ª Vice-Presidência deste e. Tribunal de Justiça, adotadas as cautelas de estilo.” (mov. 12.1 - TJPR) No dia seguinte, os autos foram redistribuídos, por sorteio, como “Ações relativas a responsabilidade civil, inclusive as decorrentes de acidente de veículo e de acidente de trabalho, excetuada a competência prevista na alínea b do inciso I deste artigo”, à Desembargadora Ângela Khury, na 9ª Câmara Cível (mov. 16.1 - TJPR). A eminente colega, em 10.06.2024, suscitou exame de competência por entender que: “(...) 2. Não obstante a declinação de competência para o julgamento do feito, a discussão presente no caso não pode ser considerada como “ações relativas a responsabilidade civil”. Conforme reiteradas decisões do egrégio Órgão Especial desta Corte, a competência recursal dos Órgãos fracionários do Tribunal é definida em razão do pedido principal e da causa de pedir deduzidos na petição inicial (TJPR, Órgão Especial, Dúvida de Competência nº 421.076- 2/01, Rel. Des. Airvaldo Stela Alves – DJ de 03.08.2007). Observando-se a casuística, o que se extrai é que o primeiro requerimento da demanda é a obrigação de fazer consistente no “desbloqueio imediato do saldo de R$ 22.470,00” e tal pleito guarda correspondência direta com a relação jurídica entre as partes, sendo necessária a análise do contrato de prestação de serviços e dos fatos que ensejaram o alegado bloqueio dos valores em questão. Portanto, verifica-se que os pedidos não possuem caráter exclusivamente indenizatório, atraindo a competência relativa ao negócio jurídico em questão, que, no caso, refere-se às Décima Terceira, Décima Quarta, Décima Quinta e Décima Sexta Câmaras Cíveis que, segundo o Regimento Interno deste e. Tribunal, no artigo 110, VI “b”, cabem julgar: VI - à Décima Terceira, à Décima Quarta, à Décima Quinta e à Décima Sexta Câmara Cível: (...) b) ações relativas a negócios jurídicos bancários e cartões de crédito, inclusive quando cumuladas com pedido de indenização, excetuada a competência prevista na alínea "d" do inc. VII deste artigo; Neste sentido já decidiu a 1ª Vice-Presidência: EXAME DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS C/C DANOS MORAIS. ALEGADA NEGLIGÊNCIA E FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELO BANCO. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MATERIAL LITIGIOSA ATINENTE AO DIREITO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS ESPECIALIZADAS EM NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 110, VI, ALÍNEA “B” DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTES. EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. (TJPR, 1ª Vice-Presidência, 0014791-18.2021.8.16.0001, Curitiba, Rel.: Joeci Machado Camargo, 1 VICE, J. 29.01.2024) EXAME DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO E PRÁTICA ABUSIVA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CAUSA DE PEDIR ATRELADA À FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELO BANCO. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MATERIAL LITIGIOSA QUE DIZ RESPEITO A DIREITO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS ESPECIALIZADAS EM NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 110, VI, ALÍNEA “B” DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. (TJPR, 1ª Vice-Presidência, 0006426-75.2020.8.16.0173, Umuarama, Rel.: Joeci Machado Camargo, 1 VICE, J. 27.11.2023) À propósito, cita-se, a título de exemplo, decisão proferida por uma das c. Câmaras competentes em situação semelhante, de ação com pedidos consistentes em obrigação de fazer e indenizações por danos materiais e morais, envolvendo bloqueio de conta e/ou valores e alegação de defeito na prestação do serviço: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. BLOQUEIO DE CONTA CORRENTE DIGITAL. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAR A CONTA. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INOCORRÊNCIA. EXTRATO BANCÁRIO SINALIZANDO REGULARIDADE NAS TRANSAÇÕES. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA DE DANOS INDENIZÁVEIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJPR, 15ª Câmara Cível, 0000339-36.2022.8.16.0108, Mandaguaçu, Rel.: Desembargador Hayton Lee Swain Filho, J.02.12.2023) Portanto, a controvérsia não pode ser considerada matéria relativa à “ações relativas a responsabilidade civil, inclusive as decorrentes de acidente de veículo e de acidente de trabalho, excetuada a competência prevista na alínea "b" do inc. I deste artigo”, mas sim como “ações relativas a negócios jurídicos bancários e cartões de crédito, inclusive quando cumuladas com pedido de indenização, excetuada a competência prevista na alínea "d" do inc. VII deste artigo”, razão pela qual, encaminho os autos ao exame da 1ª Vice-Presidência acerca da competência para o julgamento do feito, na forma do artigo 179, § 3º do Regimento Interno deste Tribunal.”. (mov. 23.1 – TJPR) A seguir, os autos vieram conclusos a esta 1ª Vice-Presidência para definição da competência recursal. É o relatório. 2 – FUNDAMENTAÇÃO A distribuição da competência entre as Câmaras do Tribunal de Justiça é determinada conforme o pedido principal e a causa de pedir contidos na peça inicial[i]. Por força de exceções expressamente contempladas no Regimento Interno desta Corte, ademais, podem influir na definição da competência a natureza da ação (por exemplo, ser ela de conhecimento ou de execução), além da qualidade de uma das partes (ser ela pessoa jurídica de direito privado ou público). Por fim, havendo conexão ou continência entre ações onde de ordinário a competência para o julgamento de recursos seja confiada a Câmaras distintas, a prevenção poderá servir de critério determinante para que saiba a qual delas competirá o julgamento dos feitos reunidos. Sobre a causa de pedir e o pedido explica José Rogério Cruz e Tucci: “(...) acompanhando a evolução da ciência processual, causa petendi é a locução que indica o fato ou o conjunto de fatos que serve para fundamentar a pretensão processual do demandante: ex facto orius ius – o fato gera o direito e impõe um juízo. (...) Observa-se, nessa linha de raciocínio, que o fato ou os fatos que são essenciais para configurar o objeto do processo, e que constituem a causa de pedir, são exclusivamente aqueles que têm o condão de delimitar a pretensão. (...) Conclui-se, assim, que a causa petendi possui dupla finalidade advinda dos fatos que a integram, vale dizer, presta-se, em última análise, a individualizar a demanda e, por via de consequência, para identificar o pedido, inclusive quanto à possibilidade deste. (...) Deve-se entender o termo pedido não em seu sentido estrito de mérito, mas sim conjugado com a causa de pedir”.[ii] Pois bem. Extrai-se dos autos de origem que Andrea Alessandra Souza de Morais ajuizou “Ação de Obrigação de Fazer c/c Reparação por Danos Materiais e Danos Morais” em face de Blu Pagamentos S.A. Alega a autora, inicialmente, que é vendedora de colchões e contratou os serviços da requerida para “análise de cadastro e crédito dos clientes para confirmação das vendas e consequentemente o envio de um link para a plataforma de recebimento das mercadorias vendidas”. Deste modo, o contrato intende a intermediação das vendas com os clientes da autora, por meio da análise de crédito, com o objetivo de garantir maior segurança nas transações. A requerente narra que o processo de intermediação funciona da seguinte maneira: a) a requerente efetua a venda; b) envia a nota fiscal (pedido) da venda e dados do comprador (documento pessoal, cartão de crédito, etc.) à requerida; c) a empresa ré analisa o perfil do cliente e confirma – ou não – a venda para a requerente; d) em caso positivo, a requerente autoriza a fabricação e entrega dos produtos comercializados; e) a empresa ré envia o(s) link(s) de pagamento ao cliente; f) por fim, após a percepção dos valores pela instituição de pagamento, esta retém o valor por cerca de três dias e, então, repassa o pagamento do valor à autora. Relata que teve problemas no processamento do pagamento de uma venda, realizada no dia 17/07/2020, em valor expressivo, em decorrência da indisponibilidade da plataforma de pagamento da requerida – a qual não teria sido comunicada à autora. Aponta que mesmo após a entrega da compra, em 20/08/2020, não houve a disponibilização dos links de pagamento pela ré; além disso, os valores anteriormente pagos pelo cliente em questão também foram bloqueados pela ré, sob justificativa de que a compra fora contestada pelo comprador. Alega, então, que realizou diversas reclamações junto ao call center da empresa ré, mas não obteve o desbloqueio dos valores recebidos, permanecendo o sistema instável e gerando prejuízos as suas vendas. Diante da inércia da ré na solução das falhas na prestação de serviços, ingressou com a presente demanda; ao final, postulou o seguinte: “a) DETERMINAR a obrigação de fazer da empresa ré em efetuar o desbloqueio imediato do saldo de R$22.470,00 (vinte e dois mil, quatrocentos e setenta reais), sob pena de multa diária de R$500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento da obrigação; b) CONDENAR a empresa ré a ao pagamento de R$125.890,00 (cento e vinte e cinco mil, oitocentos e noventa reais), a título de danos materiais, correspondente ao valor dos links não gerados pela empresa ré, acrescidos de juros e correção monetária de 1% A.M desde o bloqueio da conta; c) CONDENAR a empresa ré ao pagamento do valor de indenização por danos morais, sugerindo-se o importe de R$10.000,00 (dez mil reais), com incidência de correção e juros de mora de 1%; (...)” (mov. 1.1 – origem). Traçado este retrospecto processual, detenho-me inicialmente sobre a contraposição entre a distribuição pelo critério atrelado à responsabilidade civil ou pela natureza do negócio jurídico entabulado entre os litigantes. Conforme orientação sugerida noutros exames de competência julgados por esta 1ª Vice-Presidência, “quando a pretensão jurisdicional impactar diretamente o negócio jurídico, como no caso de resolução tácita ou expressa (por exemplo, ressarcimento dos valores pagos e retorno ao status quo ante), de revisão ou de cumprimento do contrato, ainda que cumulada com pedido indenizatório (responsabilidade civil contratual), a competência para o julgamento de recursos será determinada pela natureza do mesmo negócio.” Contudo, “caso a pretensão deduzida no processo envolva, exclusivamente, a discussão da responsabilidade civil contratual, limitando a análise do negócio jurídico à ocorrência do dano material ou moral indenizável, sem pretensão de seu cumprimento, revisão ou resolução, o feito deverá ser distribuído às Câmaras especializadas em responsabilidade civil, nos termos do art. 110, inciso IV, alínea “a”, do RITJPR”[iii]. A pretensão autoral, máxime no que tange a declaração de “obrigação de fazer da empresa ré em efetuar o desbloqueio imediato do saldo”, possui o condão de impactar diretamente no negócio jurídico, na medida em que demonstra a inequívoca pretensão de cumprimento do contrato ora firmado, de modo que o pacto passa a ser determinante para a definição da competência regimental. Por tal razão, aliás, entendo que o caso se diferencia daquele precedente citado pela em. Desª. Substituta Elizabeth de Fátima Nogueira Calmon de Passos (mov. 12.1), que tratava de demanda exclusivamente indenizatória[iv] . Isto posto, avanço para analisar o enquadramento regimental do contrato entabulado entre as partes. Isto porque, embora os nobres colegas não tenham divergido da distribuição inicial neste aspecto, entendo que o enquadramento merece reparo. Dos elementos extraídos da petição inicial– que, como sobredito, são determinantes para a fixação da competência nesta seara –, extrai-se que houve a contratação de análise de créditos dos clientes e utilização da plataforma da requerida como forma de receber os pagamentos pelas vendas efetuadas, por meio dos links de pagamentos gerados pela própria. No endereço eletrônico da requerida, há ainda o esclarecimento de que a “BLU Pagamentos” configura instituição de pagamento atuante no desenvolvimento de soluções de gestão de recebíveis de cartão de crédito; atua, portanto, como instituição de pagamento integrante do Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB), devidamente autorizado para funcionar pelo Banco Central do Brasil (Bacen) [v]. Malgrado tais empresas possuam registro no Banco Central, tal situação não conduz, necessariamente, ao reconhecimento da natureza jurídica de instituição financeira. Aliás, o próprio site do BACEN informa que uma instituição de pagamento é uma “instituição NÃO financeira que executa serviços de pagamento em nome de terceiros”; e acrescenta que “instituição de pagamento (IP) é a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes.”[vi] Para as instituições de pagamento vige a Lei nº 12.865/2013, a qual informa em seu artigo 6º, inciso III, alíneas “a” até “h”, e § 2º: “Art. 6º. (...) III - instituição de pagamento - pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente: a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento; b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento; c) gerir conta de pagamento; d) emitir instrumento de pagamento; e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento; f) executar remessa de fundos g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil; (...) § 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput.” Assim, entendo que a atividade da referida instituição se assemelha, em maior medida, à prestação de serviços de pagamento, como descreve a inicial e, em maior parte, se apresenta a plataforma. Isso porque a referida empresa não realiza atividades privativas de instituição financeira, mas, em suma, atua na gestão de recebíveis de cartão de crédito, presta serviços de consultoria e viabiliza parcerias com outros fornecedores parceiros da instituição, como se vê nas informações constantes em sua página na internet[vii]. Isto posto, descarta-se a ideia de que a competência seria referente a “ações relativas a negócios jurídicos bancários e cartões de crédito, inclusive quando cumuladas com pedido de indenização, excetuada a competência prevista na alínea "d" do inc. VII deste artigo”, visto que não estamos tratando de uma instituição financeira propriamente dita, mas sim de uma instituição de pagamentos que esta, no caso, prestando um serviço de análise de crédito, entre outros. Ressalto, ainda, que diversos precedentes da 1ª Vice-Presidência já adotaram entendimento semelhante em ações que discutiam serviço de fornecimento de tecnologia de pagamento – considerando a natureza das instituições de pagamento e determinando a distribuição de acordo com a matéria atinente à “prestação de serviços”: EXAME DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA C/C RESTITUIÇÃO EM DOBRO. AÇÃO PROPOSTA EM FACE DE INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO. DISTINÇÃO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DE NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. OFERTA DE SERVIÇO NO ÂMBITO DE ARRANJO DE PAGAMENTO. DISTRIBUIÇÃO DO RECURSO NA FORMA DO ARTIGO 110, INCISO III, ALÍNEA “C”, DO RITJPR.PRECEDENTES. Consoante precedentes de exame de competência, a instituição de pagamento (IP) é a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sendo a ela vedada por lei a realização de atividades privativas de instituições financeiras. No caso, como o objeto litigioso envolve serviço ofertado por instituição de pagamento (e não financeira), a distribuição deve ocorrer na forma do artigo 110, inciso III, alínea “c”, do RITJPR. EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. (TJPR - 1ª Vice- Presidência - 0009195-22.2022.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: JOECI MACHADO CAMARGO - J. 09.05.2024) EXAME DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. AUTORA INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO. DISTINÇÃO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. OFERTA DE SERVIÇO NO ÂMBITO DE UM ARRANJO DE PAGAMENTO. DISTRIBUIÇÃO NA FORMA DO ARTIGO 110, INCISO V, ALÍNEA “D”, DO RITJPR. PRECEDENTES. (...). EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. (TJPR - 1ª Vice-Presidência - 0027121- 08.2021.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ OSORIO MORAES PANZA - J. 16.09.2022) Ante o exposto, afastada a possibilidade de distribuição do feito pelo critério atinente à responsabilidade civil e concluindo-se que o negócio jurídico subjacente se enquadra no critério de especialização referente à “prestação de serviços”, impõe-se a redistribuição a uma das Câmaras Cíveis competentes para tal matéria (artigo 110, inciso III, alínea “c”, do RITJPR). 3- DISPOSITIVO Diante do exposto, com fundamento no artigo 179, § 3º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Paraná, determino o retorno do recurso à Secretaria Judiciária (Divisão de Distribuição), para a redistribuição livre do recurso entre a 6ª e a 7ª Câmaras Cíveis, nos termos do art. 110, inciso III, alínea “c”, do RITJPR. Curitiba, data da assinatura digital. Desembargadora JOECI MACHADO CAMARGO 1ª Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná G1V-46.01 [i] Nesse sentido, exemplificativamente: DCC n° 421.076-2/01 - Rel. Des. Airvaldo Stela Alves - Órgão Especial - DJ de 3-8-2007; DCC 1152984-7/01 - Rel.: Lauro Laertes de Oliveira - Unânime - J. 21.03.2014; DCC 862560-3/01 Rel.: Leonel Cunha - Unânime - J. 14.05.2012. [ii] Tucci, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 2ª. Ed. Ver. Atual e Amp. São Paulo: Revista RT, 2001 (Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebmann), v. 27, p. 24 e 159. [iii] TJPR - 1ª Vice-Presidência - 0044583-20.2021.8.16.0000 - Pinhais - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ OSORIO MORAES PANZA - J. 09.08.2021 e TJPR - 1ª Vice-Presidência - 0019002-68.2019.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ OSORIO MORAES PANZA - J. 19.07.2021 [iv] ECC nº 011378-92.2024.8.16.0000. Conforme se depreende da própria ementa, a demanda tinha por objetivo apenas a obtenção de indenização, calcada na falha de prestação de serviços e supostos ilícitos cometidos pela parte ré. [v] Endereço eletrônico: https://blu.com.br/. [vi] Endereço eletrônico: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.gov.br%2Fpre%2Fcomposicao% 2Finstpagamento.asp%3Fidpai%3DSFNCOMP, acesso aos 16.09.2022. [vii] Endereço eletrônico: https://blu.com.br/varejo/blu-com-voce.
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